Enfrentaria enfim Berlim pelas projecções ósseas do crânio, sabendo em que me metia. Esta expressão, aludindo às lides tauromáquicas, nunca foi do meu agrado mas é, ainda assim, eficaz. E antes na cara do touro do que como rabejador.
A entrada por Leste, após o suave tocar do Boeing no solo de uma das pistas de Schönefeld, a viagem tornada ainda mais curta pelo Ford Granada 2.8 Ghia stationwagon, de 1980, conduzido por Yilmaz Nasreddîn, a chegada ao apartamento na Schützenstrasse, pela calada da noite. A voz de Volkan Konak, interpretando Gardaş na espantosa alta-fidelidade da viatura fez-me ficar mais um pouco no banco de trás: “Pouco falámos. Como estás?” “Bem, sabes que não me atrapalho”, respondeu no seu fluente português aprendido com empenho e talento, por amor eternamente jurado a Adrilete Sezões, portuguesa, nascida em São Lourenço de Mamporcão, criada cidadã do mundo, residente em Berlim, detentora da “Azeitona Dourada” de 1992, distinção conferida por coragem, astúcia e eficácia extraordinárias, reveladas no terreno. “Queres ficar já aqui ou ir jantar connosco. A Adrilete gostaria de ter rever.” “Fica para depois. Tenho ainda muito que fazer e desfazer até ser dia outra vez...” “Compreendo. Amanhã, ponto V, 12.00.”
Deixei as coisas no apartamento. Ainda andei uns metros. O peso do ‘Mauer Museum’ sentia-se, como um manto, a prova da ‘gewaltfreien kampf’. As inscrições com o traçado do muro no chão, o sobrevivente Café Adler, no 206 da Friedrichstrasse, frente ao folclore do Checkpoint Charlie e do seu “You are leaving the American Sector”, tudo quase silencioso, quase memória a materializar-se.
Estanquei estes pensamentos e, deixados os ‘pastéis de massa tenra’ no apartamento, passei pela ‘Trattoria Lungomare’, na bem próxima Krausenstraße. Esperava-me aí o muito alemão e nosso agente Arkadius Göhre, recrutado em S. Bento de Ana Loura, na mesma fornada da “Didi” Sezões, como à data era conhecida. Este porto seguro de boa comida era insuspeito, mesmo para as agências mais desconfiadas. Zeev Munweiss, o agente Mossad mais volatilmente mortífero do Hemisfério Norte já ali almoçara uma carbonara explosiva com um arrependido das Brigadas Essadim al-Kassar. Tudo fora gravado, encriptado, transcrito e as cópias enviadas sob a capa do livro de Júlia Pinheiro Não sei nada sobre o amor. Na mesa seis, Zeev declarou o seu amor a Ahmed e este, lacrimejante, pediu-lhe que o deixasse eclipsar-se em Berlim para sempre. Diz-se que Zeev tem faltado aos alertas de missão da Mossad. Guardaremos esse segredo para sempre, embora o Arkadius me tenha referido que alguém julgara ter visto Zeev no muito ‘gay friendly’ Hafenbar. Trocámos as peças ao som do Conjunto Diapasão o que é, só por si, um teste à concentração... a voz de Marante... Enfim, Arkadius descobrira esta pérola... “Deixaste os ‘pastéis’ no apartamento?” “Claro, quem os vai buscar?” “A Didi, disfarçada de camponesa soviética.” “Porquê? “Queres que a reconheçam?” “Pois... vocês saberão o que fazem.” “Céptico, Toutinegra?” “Nunca, apenas a testar, sabes que é importante na vossa avaliação a validação e ressignificação simbólica dos procedimentos...” “Claro!”
Saí, voltei ao apartamento e chamei o Yilmaz: “Podemos estar a comer gato por lebre!” “A Didi já sabia. Há dois meses que o Arkadius perdeu o Norte. Falaste-lhe na ressignificação dos procedimentos e ele respondeu ‘Claro’” “Exacto. Assim fica tudo confirmado. É pena.” “A Didi já tem outra estrutura em processo de constituição. Terás de autorizar apenas a verba. O Zeev é nosso!”
Finalmente uma luz ao fundo do túnel: tínhamos Zeev e o Zeev tinha a nossa protecção. Uma nova era para a APEDIR. Nascia o sol, apenas tempo para uma visita à Unter den Linden, da qual talvez fale mais tarde e, no ponto V, às 12.00, o Ford Granada: ao volante Adrilete “Didi” Sezões. “Sabes que podes aspirar a ser agraciada com a ‘Azeitona Dourada’ de 2009? Arriscas-te a isso...” “É um prazer rever-te. Tens aí uma cópia do Livro da Júlia Pinheiro para leres no avião. E agora, segura-te bem. O meu Yilmaz é calmo a conduzir. Eu não brinco em serviço.”
E não brincou embora algumas montanhas russas sejam mais lentas do que o regresso a Shönefeld. “Até à próxima. Tens aí tudo o que precisas. O das Murtas aguenta-se?” “Vai-se fazendo. Ainda saudosista mas já maduro, sabes...” “Perfeito! Agora olha para a esquerda... Sim, é o Zeev...” “E o outro? É o...” “Sim... Toutinegra, outros tempos pá ...” “Pois... É a ressignificação de...disso.”
A entrada por Leste, após o suave tocar do Boeing no solo de uma das pistas de Schönefeld, a viagem tornada ainda mais curta pelo Ford Granada 2.8 Ghia stationwagon, de 1980, conduzido por Yilmaz Nasreddîn, a chegada ao apartamento na Schützenstrasse, pela calada da noite. A voz de Volkan Konak, interpretando Gardaş na espantosa alta-fidelidade da viatura fez-me ficar mais um pouco no banco de trás: “Pouco falámos. Como estás?” “Bem, sabes que não me atrapalho”, respondeu no seu fluente português aprendido com empenho e talento, por amor eternamente jurado a Adrilete Sezões, portuguesa, nascida em São Lourenço de Mamporcão, criada cidadã do mundo, residente em Berlim, detentora da “Azeitona Dourada” de 1992, distinção conferida por coragem, astúcia e eficácia extraordinárias, reveladas no terreno. “Queres ficar já aqui ou ir jantar connosco. A Adrilete gostaria de ter rever.” “Fica para depois. Tenho ainda muito que fazer e desfazer até ser dia outra vez...” “Compreendo. Amanhã, ponto V, 12.00.”
Deixei as coisas no apartamento. Ainda andei uns metros. O peso do ‘Mauer Museum’ sentia-se, como um manto, a prova da ‘gewaltfreien kampf’. As inscrições com o traçado do muro no chão, o sobrevivente Café Adler, no 206 da Friedrichstrasse, frente ao folclore do Checkpoint Charlie e do seu “You are leaving the American Sector”, tudo quase silencioso, quase memória a materializar-se.
Estanquei estes pensamentos e, deixados os ‘pastéis de massa tenra’ no apartamento, passei pela ‘Trattoria Lungomare’, na bem próxima Krausenstraße. Esperava-me aí o muito alemão e nosso agente Arkadius Göhre, recrutado em S. Bento de Ana Loura, na mesma fornada da “Didi” Sezões, como à data era conhecida. Este porto seguro de boa comida era insuspeito, mesmo para as agências mais desconfiadas. Zeev Munweiss, o agente Mossad mais volatilmente mortífero do Hemisfério Norte já ali almoçara uma carbonara explosiva com um arrependido das Brigadas Essadim al-Kassar. Tudo fora gravado, encriptado, transcrito e as cópias enviadas sob a capa do livro de Júlia Pinheiro Não sei nada sobre o amor. Na mesa seis, Zeev declarou o seu amor a Ahmed e este, lacrimejante, pediu-lhe que o deixasse eclipsar-se em Berlim para sempre. Diz-se que Zeev tem faltado aos alertas de missão da Mossad. Guardaremos esse segredo para sempre, embora o Arkadius me tenha referido que alguém julgara ter visto Zeev no muito ‘gay friendly’ Hafenbar. Trocámos as peças ao som do Conjunto Diapasão o que é, só por si, um teste à concentração... a voz de Marante... Enfim, Arkadius descobrira esta pérola... “Deixaste os ‘pastéis’ no apartamento?” “Claro, quem os vai buscar?” “A Didi, disfarçada de camponesa soviética.” “Porquê? “Queres que a reconheçam?” “Pois... vocês saberão o que fazem.” “Céptico, Toutinegra?” “Nunca, apenas a testar, sabes que é importante na vossa avaliação a validação e ressignificação simbólica dos procedimentos...” “Claro!”
Saí, voltei ao apartamento e chamei o Yilmaz: “Podemos estar a comer gato por lebre!” “A Didi já sabia. Há dois meses que o Arkadius perdeu o Norte. Falaste-lhe na ressignificação dos procedimentos e ele respondeu ‘Claro’” “Exacto. Assim fica tudo confirmado. É pena.” “A Didi já tem outra estrutura em processo de constituição. Terás de autorizar apenas a verba. O Zeev é nosso!”
Finalmente uma luz ao fundo do túnel: tínhamos Zeev e o Zeev tinha a nossa protecção. Uma nova era para a APEDIR. Nascia o sol, apenas tempo para uma visita à Unter den Linden, da qual talvez fale mais tarde e, no ponto V, às 12.00, o Ford Granada: ao volante Adrilete “Didi” Sezões. “Sabes que podes aspirar a ser agraciada com a ‘Azeitona Dourada’ de 2009? Arriscas-te a isso...” “É um prazer rever-te. Tens aí uma cópia do Livro da Júlia Pinheiro para leres no avião. E agora, segura-te bem. O meu Yilmaz é calmo a conduzir. Eu não brinco em serviço.”
E não brincou embora algumas montanhas russas sejam mais lentas do que o regresso a Shönefeld. “Até à próxima. Tens aí tudo o que precisas. O das Murtas aguenta-se?” “Vai-se fazendo. Ainda saudosista mas já maduro, sabes...” “Perfeito! Agora olha para a esquerda... Sim, é o Zeev...” “E o outro? É o...” “Sim... Toutinegra, outros tempos pá ...” “Pois... É a ressignificação de...disso.”