15.3.07

Nunca me questionei muito sobre os processos da diplomacia e dos serviços secretos mas, na verdade, sair do Porto, de madrugada, em direcção a Beja, para seguir posteriormente para Évora, pareceu-me uma espécie de non-sense geográfico pouco eficiente. Chegado a Beja, dirigi-me ao ponto de encontro. Já no café Luís da Rocha, em plena ‘meia-laranja’, sentei-me e pedi uma empada. Continuavam soberbas e compensaram a espera... Subitamente ouvi, sussurrada, a senha: “De noite, usas uma tocha. De dia, no Luís da Rocha”. Voltei-me e fiz sinal ao sujeito para que se sentasse. Estendeu-me a mão e disse com um sotaque que confirmei como típico do ramo lequítico do grupo ocidental eslavo: “Lembra-se de mim? Não? Zbigniew Boniek.” “Boniek? Estou perante o Boniek?” Sorriu... “Sempre pareceu que eu era um jogador de futebol, não é? E era, era bom...” “Lembro-me de si na Juventus, ao lado do Platini...” “Exacto.” “Lembro-me de si também na A.S. Roma!” “Sim, mas vamos ao que...” “Lembro-me de o Gabriel Alves se referir a si como o Príncipe do Futebol Polaco!” “Toutinegra, não temos tempo! Aliás, penso que me enviaram a mim porque sabem da sua fraqueza perante as grandes glórias do futebol da década de oitenta...” Quem mais se lembraria de mim, Zbigniew Boniek?” E tinha razão... Como tinha razão! Nem ele próprio, Zbigniew Boniek, sabia até que ponto estava a ser usado... Passei-lhe a fórmula, por debaixo da mesa: “Aqui está, passadinha a limpo, como manda a lei...” “Muito bem! Toma, é para ti! Também eu me orgulho de estar com o discípulo dilecto do Grão de Bico, nem sabes como!” Do pacote de papel emanava um cheiro nauseabundo... “Usei esta camisola no meu último jogo no mundial de Espanha, em 82.” “Obrigado, Boniek, do fundo do coração!” Saiu do café, enquanto eu pagava a despesa. Perguntei-me como tinha o Boniek conseguido comer trinta e duas empadas de galinha... Saí, em direcção ao carro. Ao volante do meu Volvo 240 de 1973, recordava os momentos mágicos em que Boniek, frente à Bélgica, marcava três golos no mesmo jogo, no Mundial de Espanha. Já perto da Vidigueira, reparei no carro de matrícula polaca abandonado à beira da estrada. Parei, temendo o pior. No banco do condutor, um pequeno envelope contendo um papel no qual se podia ler: “Sei que me enganaste. Com esta fórmula apenas se poderá fazer um bom bolo de requeijão mas nunca o bolo de João B. Está tudo bem comigo.” Ainda no envelope um cromo do Platini com a seguinte dedicatória: “Pour que Boniek puisse faire un cadeau à quelqu’un spécial.” Assinado: “Platoche”... No banco de trás, uma caixa de papel... Esquecera-se das empadas, das trinta e duas empadas... Levei-as comigo, o bom cheirinho das empadas compensaria provavelmente o da camisola do Zbigniew. Fiz-me à estrada, deixando o leitor de cassetes do Mercedes branco, a braços com uma fita de Cândida Branca Flor, a lutar contra o implacável sol do fim de Inverno, no Alentejo. Não muito longe, o posto retransmissor do Mendro. Por ali teriam passado muitas das jogadas de Boniek, convertidas em feixes hertzianos, hoje memórias... como magia...

9 comments:

rtp said...

E eis que o toutinegra volta a divertir-nos com mais uma aventura! E envolvendo Gabriel Alves, esse ícone do relato futebolístico, o divertimento já estaria garantido. Não tenho idade para me lembrar dos feitos do polaco Boniek. Mas recordo o Naranjito – um dos meus primeiros brinquedos, pelo menos dos que tenho memória! - a bela mascote do Mundial 82.

Joaninha said...

32 empadas? Ementa especial para a Páscoa? :)

Fábio Ferreira said...

Este blog e giro de se ler.... so isto..penso que ja esta bom!!NAO?? ok..tambem e fixe para ler..Agora sim?? Prontoooo... ja ta entao!!

filipelamas said...

Cada vez melhor, caro *o** *e**!!

S. said...

Cativante. Fiquei com a respiração suspensa e um sorriso curioso até ao final.

Parabéns.

paulu said...

Eu também me lembro do Boniek! Acho. Não era um que tinha bigode, mas sem parecer um polícia? Não admira que tenha dado em agente secreto.

Gostei muito destas histórias de deixar o 007 feito num 8. Não há mais?!

jguerra said...

Olá. Não me esqueci... apenas pouco tempo que me levavam a ler coisinhas mais curtas, mas talvez não tão inspiradoras.
Mas 32 empadas?? Acho que nunca mais comeria nenhuma. Mas é uma excelente lembrança de um encontro bizarro.
Para além de se dar grandes voltas a Portugal para chegar a qualquer lado, claro.

Cusco said...

Uma boa aventura, bem descrita!
Um abraço e um bom-fim de semana.
Obrigado pela visita e comentário na minha casota.
Até breve!

ignotu said...

Olá amigo Toutinegra Futurista!
Aqui estou eu de novo... o Mocho Depenado!

Já vi que há novas aventuras por aqui! Tens que me dar algum tempo para me pôr a par de todas as tuas andanças!

Um abraço
Ignotu