11.6.07

O cheirinho da sopinha de cação, os coentros, o alhinho e o azeitinho quente eram um ‘must’ na casa do Chico e da Arlete. Chegar ao fim da tarde, quando o calor de início do estio abranda e o ar já se deixa respirar, é ter a mágica oportunidade de ser envolvido n um pôr-de-sol deslumbrante. Perguntei pelos miúdos. “Estão à da prima Celeste, é melhor.” O Chico, sem a sua cubana barba, estava quase irreconhecível. A Arlete estava na mesma, mais ruga, menos ruga. “Então, deixaste-te apanhar pelo Arquimínio...” “Apanhar? Enganar... bom, pelo menos por algum tempo. Sabes que nunca pensei que a minha prima Acácia pudesse ter razão...” “Sabedoria de prima velha...” “E com bigode”, acrescentou a Arlete. Riram à vontade, o ambiente mais descontraído. “Queres matar saudades?” “Força!” O Chico foi lá dentro e trouxe um velho leitor-gravador BASF, agitou uma fita antiga: “É dos Mineiros de Aljustrel! São do melhor, já está é gasta mas que se lixe! Preferes os Ceifeiros da Cuba?” “Está óptimo assim.” O resultado era, em bom abono da verdade, desagradável. A má qualidade da velha cassete, a péssima qualidade do vetusto leitor, a fraca reserva energética das pilhas, tudo contribuía mais para um sacrifício do canal auditivo do que para um matar de saudades. Salvava-se a boa vontade, de todos, até dos Mineiros de Aljustrel. “Chega aqui, Toutinegra.” O Chico conduziu-me até uma espécie de escritório. “Está aqui a parte da História que interessa contar...” Nas paredes, cartazes de lutas antigas, de uma tourada por altura das festas de Nossa Senhora do Carmo, em Moura, terra natal do seu dilecto cunhado, o Feliciano Abóbora. Mais ao lado, numa espécie de pequeno nicho, uma fotografia do Chico com Vítor Damas e uma fotografia virada para baixo com uma pedra em cima. “E isto, Chico?” “Podes ver, tu podes ver...” Disse isto, olhando em volta, como se quisesse certificar-se de que ninguém, nem mesmo as paredes, o estava a observar. Retirei o pequeno seixo e virei a foto, já amarelecida. Era uma foto de João Pinto, o mítico lateral direito do F.C.P. que o Chico tinha processado no seu ressabiado ‘fotoshop’ manual, apresentando o dito jogador com um par de protuberâncias cranianas dignas de um vogoroso alce. “Então Chico, o que é isto?” “Ele fez-se à minha Arlete, um dia. Gajo que faça isso... acaba nisto!” “Este!?” “Nem imaginas... Estávamos em Viena, em 1987, em missão e tivemos de ir ter com o Grão de Bico em plena final da Taça dos Campeões. Na marcação de um canto, vejo este moinante a piscar o olho à Arlete. Ela nem deu por isso mas o Futebol Clube do Porto, para mim, deixou de ter lateral direito. Ninguém se faz ao piso à minha Arlete e está tudo dito. Nem no Inferno vai ter descanso, o cabrão!” “Bem, calma... Podes desabafar comigo, não foi por isso que vim mas...” “ Mas, eu sabia que virias, era apenas uma questão de tempo. A fórmula do bolo de requeijão... somos nós que a temos.” “Não pode ser!” “Pode, pode. O Boniek não foi ter contigo a Beja? O Arquimínio não te tentou limpar o sebo? Não foi o Panças quem te deu a suposta fórmula? Não precisas de responder... É ‘sim ‘a tudo... E sabes o melhor? A dita fórmula não era mais do que o código que levava às latas de sardinha! Confuso? Parece que estás a começar a ver tudo, compadre... Foste apanhado no cruzamento de duas forças cósmicas: a fórmula do bolo e as latas de sardinha!” “Como pude ser tão ingénuo...” “Safaste-te porque a experiência já age em ti, sem que o premedites. Estás para o agente secreto como o Espírito Santo está para o Deus Pai!” “Mas tu, agora, és religioso?!” “Não, mas não posso desperdiçar oportunidades de fazer piadas com tão boa matéria prima! Agora vai, despede-te da Arlete e pega no saco que ela te vai entregar. Vais deixar aqui este Volvo e vais levar outro. O Grão de Bico deixou-me um fundozito de maneio para eu providenciar “as melhores soluções” para ti, o seu discípulo de eleição. Tens as intruções num ‘dvd’ eo dinheiro no porta-luvas. “ Dei um sentido beijo à Arlete que me entregou um saco de papel com dois disfarces alternativos: um, de apanhador de percebes da Costa Vicentina, outro de vendedor de óculos de contrafacção da Ágata Ruiz de la Prada. No fundo do saco, uma pequena tira de papel, escrita em árabe, com a seguinte frase: “Se sentires algo amargo, dirige-te ao ‘Sargo’ e pensa que tudo o que é teu, está no ‘Rasto do Judeu’.” Liguei o meu novo Volvo XC90 V8, liguei o sistema de navegação e marquei as coordenadas rumo a Aljezur. Alguma estrada pela frente, Jeff Buckley por companhia.

5 comments:

André said...

É bom tê-lo de regresso. E com aventuras alentejanas :D. Claro que a Costa Vicentina me é familiar, faz parte de mim! Excelente altura para rumar até lá, antes do caos do pico do verão.

Ass: André [[Just Freeze... And Let Me Shoot]

Joaninha said...

Ai os coentros... Ainda ontem à noite matei saudades do alentejo com uma açorda!
Gostei do piscar de olho do João Pinto à Arlete!!!

jguerra said...

Olá Toutinegra.
Não desgosto da tua prosa, não é nada disso. tenho é pouco tempo para conseguir visitar todos regularmente. Pois!
Obrigado por passares pelo meu blog.
Já agora... eu não sou dado a futebol... mas coitado do João Pinto.

filipelamas said...

Só posso dizer que me rio sempre a valer ao ler estas aventuras!
Abraço!

rtp said...

Há tanto tempo que não havia um post novo! Mas este e o seu tom hilariante veio mesmo em boa altura ... para uma boa gargalhada!