(Relatório de Toutinegra das Murtas: referência 02/ST-TdM)
"A entrada do clube Tahiti é como se esperava...escura, enfumarada, garrida, generosa em corpos. Cheira a puro havano, suor, sacrifício e papoila. Estou condenado, conseguirei resistir-lhe ? Do bar insinuam-se as duas adolescentes turcas, gesticulando lubricamente para que as siga através duma empanada artesanal. No varão, dança acrobaticamente uma mulher já acerejada, mas elegante, carnes firmes, de rosto caliginoso e padecido. É Maria Irene, a Tigresa, como foi conhecida, num tempo ido em que todos os paises dignos tinham o seu grupo activo, fosse a Euskadi ta Askatasuna, de Maria Irene, as Brigate Rosse, o IRA ou a Rote Armee Fraktion. Agora começo a perceber tudo, estou em Stuttgart, a fundação da RAF, terei sido atraído para uma armadilha? Ainda tínhamos contas a acertar...não consigo deixar de olhar para Maria Irene, o tempo passou benevolamente por ela, a graciosidade com que se move em nada se assemelha ao que me lembro dela.
Não a via há cerca de 20 anos, altura em que eu ainda trabalhava para a FIRMA e só micava em Território Nacional. O calor na margem esquerda é abrasador e pelo meio das bonitas Cistus ladanifer não se vê nada. Desço até ao Chança pela enésima vez e nada dos etarras que se espera que venham assaltar o antigo paiol das minas pelos explosivos que lá se encontravam enterrados, antes da nossa investida. Dias antes, após uma sessão de confissão forçada ao som de "Ai malhão, malhão / Fora a foice e o martelo / Abaixo os oportunistas / E os fascistas do Marcelo", um FP, "cujo nome não se pode dizer por ser politico eminente", tinha informado a FIRMA que iria ser transaccionada uma quantidade significativa de explosivos entre as FP e a ETA e que a Tigresa viria pessoalmente mediar o negócio.
O ponto de passagem seria uma barca no Rio Chança e que o destino seria um veículo já em Espanha, provavelmente em Rocha Peluda, devido à proximidade com o Quartel-general do movimento em Chalet del Coto. Pena do Corvo, Horta dos Coelhos, Alcaria, Barranco do Vale Covo, Serrão, Geraldos, Cerro dos Ladrões, Fonte da Medronheira, Chumbeiro e Horta da Perdigoa, já cerca de Santana de Cambas, tudo vasculhado sem descanso, em cima duma fiel R80GS e nada da Tigresa. Opto por regressar ao Paiol, na margem da Barragem grande, encosto a GS a um eucalipto, desfruto da sua sombra, observo as Hirundo daurica. Aqui não sou útil. A FIRMA tem as imediações do Paiol bem protegidas. Soa o alarme. Foi identificada actividade suspeita junto ao Malacate. Apresso-me na direcção do antigo poço, mas já vou tarde. Posicionados na boca do dito poço n.º 6 e na Torre do Relógio, os Bascos fustigam os operacionais da FIRMA com paiolas de Barrancos, Tâmaras frescas, Satsumas e Topinambos. Os operacionais da FIRMA posicionados em frente às oficinas, em campo aberto, caem que nem Turdidae. Valorosos, Arlindo Lampreia e Domitília Velela vão tentando ripostar com Escorcioneira e Batata-doce, pelo menos até à chegada dos companheiros que se encontravam no Paiol. Perdemos bons companheiros naquele dia. Ao longe, uma das 3.000 G3 desviadas pelo Capitão Fernandes para armar os Conselhos Revolucionários, vai esquartejando o que resta da FIRMA. No corpo a corpo degladiam-se a Narceja e a Galinhola. Com a chegada dos reforços de artilharia, as posições bascas são bombardeadas com Farinheira, Morcela e Chouriço Mouro. É impossível respirar com o pó da canela, pimentão-doce e orégãos misturados com o enxofre das pirites cúpricas. Espirra o Lusitano, bufa o Basco. Arlindo Lampreia, já estucado, afoga-se numa poça de Lomos Embuchados. Há bascos em debandada, borrados pelo excesso de inalação de especiarias várias. Entre eles destaca-se uma mulher, jovem, olhos cinzentos, roupa militar caqui, boina guevariana, é ela quem vai dando cobro à retirada basca, é a Tigresa. Ao som de "Druze Tito, mi ti se kunemo, / da sa tvoga puta ne skrenemo/" entoado pelo Joaquim Réblochon, aquem nunca conseguimos tirar a veia marxista, limpo as marcas daquele Fuet Extra que me atingiu em cheio e corro para a fiel GS, no encalço de Maria Ines. A perseguição decorre pelo antigo caminho-de-ferro mineiro na direcção Sul. Eu na GS, os Bascos num C303 Laplander. Passamos a toda a velocidade pelo cenário de podridão, desperdício e abandono, ao jeito de Hayao Miyazaki, em Moitinhos e Minas Quarto, o Laplander não me dá hipóteses e acabo por perdê-los. À sorte tento o desvio na direcção de Lagoa e Fonte da Medronheira, a mais provável travessia do Chança.
A barca já vai a meio, sem os explosivos, mas muitos companheiros precisam de ser vingados. Numa tentativa desesperada e em evidente desvantagem númerica lanço o derradeiro ataque, a partir da cota 102, usando um lança morteiros municiado com maracotões de alcobaça.
A barca cede à precisão lusa e afunda nas águas rápidas do Chança levando com elas os 4 bascos e a Tigresa...julgava eu até hoje."
3 comments:
vacos938D. Quixote saltou na tumba ! " Ah!... se ao tempo houvesse paolas de Barrancos para os arremessos... "
Intrigante o constante aparecimento de jovens turcas. Contra espionagem ?
Acção bem recheada. Agrada pela envolvência.
Roni
Caro Roni, TdMurtas tem a sua história própria e estes são os aparentemente mirabolantes relatórios que tem por obrigação enviar-me. Eu publico-os sem qualquer trabalho de edição porque representam muito do espírito da FIRMA e de outros tempos e porque correspondem à verdade.
Quanto às jovens turcas, tenhamos calma e demos tempo ao tempo. Tudo tem um lugar, tudo tem uma explicação. E, no seu perfeccionismo metódico, TdM não deixa nada ao acaso. Se fosse suiço, seria relógio, não queijo.
Volte sempre Roni e divulgue este nobre e valoroso labor daqueles que, pelo seu empenho abnegado, como diria Camões, "se vão da lei da morte libertando".
Já agora, pelo seu comentário, vejo que o Roni é um homem do terreno: vacos938D.... não pense que eu não compreendi. Respondo-lhe então blofos398K.
Post a Comment