19.8.09

O veredicto no verso da tela de Edmundo Tonaco: antes de ir a casa, o Butão. Segui para Dhaka, Bangladesh, e daí até Paro, num exíguo e anacrónico pássaro de ferro da Druk Air, Royal Bhutan Airlines, "Kingdom in the Sky", 'with diamonds'...
A chegada ao aeroporto, em Paro, foi normal, seja lá isso o que for. Tinha de ir até à fronteira terrestre, em Phuntsoling, e comprar o passe de acesso a Bumthang. À minha espera o muito amarelo e alegadamente desportivo turco Anadol STC 16, de 1975. "It is the number 176, the last one from the Otosan factory!! Glory, glory!!" Desenhado por Eralp Noyan, este "Sports Turkish Car 1600", uma mutação algures entre os Ford Cortina e Capri, seria tudo menos o carro ideal para percorrer o mais do que discreto Butão, por todos os motivos. Além do mais, o facto de ter esta viatura chegado até aqui era um feito algo estranho. Arun 'Dzongkha', orgulhoso descendente dos Lhotshampas e cuja alcunha se devia ao facto de ser um conceituado professor de dzongkha, a língua nacional, em Bumthang, via filmes do James Bond compulsivamente e entendeu ser esta a melhor solução para percorrer as estradas do reino: um desportivo retro... Paguei a Arun dois milhões de ngultrum por um exemplar do single em vinil da Suzi Paula "Visitas". "This is a heavenly voice, the portuguese Carly Simon." Nunca tinha visto as coisas por este prisma, felizmente... nem Suzi, nem Carly... Tinha que chegar em pouco tempo a Thinphu. Aí, sendo 2 de Julho, aproveitaria a agitação provocada pela comemoração do aniversário de nascimento do Guru Rinpoche para no 'Where-Else', bar do hotel Druk, encontrar o meu agente de liaison, como diria o nosso ex-Mossad Zeev. Encostado ao balcão, um homem dotado de um farfalhudo bigode e de patilhas volumosas, disfarçado de campino ribatejano, fez-me um ostensivo 'pschhh!!!': tudo discreto no Butão... até o campino de tez nepalesa. Aproximei-me do espécime e este entregou-me o objecto-mensagem, no meio de uma grande trapalhada de copos no chão e um par de cuecas de senhora pendurados na camisa, presa a renda num botão meio partido. Tratava-se de uma touca holandesa do século XVIII, assassinada com o seguinte bordado: Amsterdamsche Football Club Ajax. No forro, um voucher de noite gratuita no sofrível viveiro de baratas Karma Tobden Bumthang Lodge. Já em Bumthang, enquanto me preparava para um breve momento de descanso, ouvi, vindo da janela, um quase sussurado "Abre, Toutinegra! Sou eu, o Badana!" Era Zacarias, o nosso 'merlo eléctrico', um dos meus companheiros de academia e filho do melhor amigo de Grão de Bico, Francelino Badana. "O que fazes por aqui?" "Tens o single da Suze?" "Tenho... E foi caro! E não digas Suze..." "Pois, foi caro mas também sabes o que tens aí! Essa mulher a cantar é uma força da natureza! E é boa..." "Chega! Pois... talvez..." Suzi Paula era estrela no Butão, curioso reino este... "E a touca dos Países Baixos?" "Sim, é estranha... e para que a queres?" "Necessito dela para obter a tua autorização de saída! Tens de regressar a Paro e apanhar o avião!!" "Pois, tens razão." Percebi na sua voz a hesitação que o denunciava. Há bastante tempo que os serviços secretos chineses o vigiavam. Em Thinphu avistei, em pose de sedução junto de uma stripper norte-coreana, um dos capangas do tempo de Liu Fuzhi. Estava disfarçado de empresário espanhol da construção civil e obrigara a Stripper a tratá-lo por Manuel Ramirez ou Señor Ramirez. O 'Señol Lamilez' carecia de inteligência, da mais básica e seguia a sua presa como um predador ruidoso... Zacarias Badana sentia, com fundamento, muito medo. Rumámos a Paro, a bordo do muitíssimo amarelo Anadol STC 16, eu ao volante, Badana no acanhado compartimento destinado às bagagens. Meti-o no avião, rumo a Amesterdão, e saí, por terra, do Butão. Tive de dar uma foto autografada de Manuela Ferreira Leite em fato de banho, em Manta Rota ao miope guarda de fronteira, convencendo-o de que se tratava de uma tia-avó de Brigitte Bardot em Cannes. O Anadol resistia e, em breve, poderia chegar a Itahari, no Nepal. Levantava o avião, em Kathmandu e pude enfim ver o pequeno livro que a hospedeira me colocara no bolso direito do casaco. Na contracapa de Sete receitas nepalesas de coelho fingido em papelottes, do Chefe Joseph Pinto de Souza, as coordenadas: 40°18'26.83"N; 7°55'3.29"W. Do Butão para casa, at last...

6 comments:

ml said...

obrigada pela visita

Manuel Vilar de Macedo said...

Que imaginação! Agora só falta encontrar uma editora simpática e publicar.
Obrigado por visitar o meu blog.

roni silva said...

A contra espionagem ( ligeira ? vai detectando origens dos agentes de liaison.
" disfarçado de campino ribatejano.... "
" Patilhas e bigodes farfalhudos...."
Será que este veio do mundo Tenório ( o da ganadaria ) ? Será que a extensão vai ou vem do império do Tenório ( o das conservas )?
Estamos tentados a voltar ao laranjal do Falacho e espreitar a taberna do Sequeira......

Toutinegra Futurista said...

Obrigado Luísa e MVM. Roni, que intuição. Não está certo mas podia estar mais longe... qualquer dia fazemos uma prova de acesso e veremos se não poderá ser recrutado como consultor ligeiro.

Ignotu said...

É principalmente devido a este Blog que regressei à blogosfera! Fenomenal!
A sua visita ao meu reiniciado blog é uma honra.

francisco said...

http://carcatalog2.free.fr/que2.htm


;)