4.8.09

A passagem por Berlim, intensa, cheia de revelações relativamente aos processos de recrutamento pendentes, mostrava a vitalidade da agência em terras europeias. Tempo de ir para outras paragens: 'There is no rest for the wicked' e a alta espionagem, como a alta costura ou a alta cozinha são sempre a mais incompreendida pedra angular do progresso humano.
Num piscar de olhos, aterrava em Ushuaia, rumo a Tolhuin: o fim do mundo, literalmente. Ali, na costa Leste do Lago Fagnano, aguardavam-me o quase esquecido Ubaldo Matildo Fillol e Mario Alberto Kempes, dois dos heróis do mundial de 78. Fillol, 'El Pato' continuava prudente, à guarda-redes; Kempes continuava explosivo, à artilheiro. De cinco em cinco minutos repetia a sua maior glória, os dois golos marcados à Holanda na final... Kempes surgiu na 'Panaderia La Unión' vestido de bailarino de flamenco e 'El Pato' totalmente camuflado com o seu fato de aborígene: 'Los nativos, Touti, siempre los nativos." Tolhuin significa, em língua Selkknam 'parecido a coração', repetia Fillol. Ao longe via-se uma pickup Mazda de cor alaranjada com um tosco condor autocolante no tejadilho. "Es Antonio Maidana, el surdo." Riram ambos ruidosamente. "Eu também sou 'surdo', excepto a disparar as quinze balas da minha IMI SP-21 Barak! Nem todos os portugueses se deixam enganar. Sou o Toutinegra, Pato, tens de fazer melhor!" Rimos todos: era a sua partida preferida, a confusão 'surdo-sordo'... Fillol seria facilmente um Badaró argentino... Fomos ter com Maidana que nos esperava. O Canhoto, como era conhecido no mundo lusófono, estivera como mercenário a soldo dos franceses na Guiné com o insondável Coronel Camões, em 67, e ficara sempre disponível. Era, presentemente, o dono de uma peixaria-livraria, um conceito do fim do mundo. Era, no sentido mais hardcore possível, um dos grandes nomes da secreta argentina, 'el tiburón de La Plata', 'el Tarzán de San Martin'! "Que camuflgem exótica! Porque está vestido de Carmen Miranda?" "No es camuflaje. Trabaja como 'drag queen' en Ushuaia y tiene un espectáculo por la noche." Achei prudente não comentar. Entreguei a 'El Surdo' o exemplar de São Banaboião anacoreta e mártir, de Aquilino Ribeiro. Olhou-me com respeito e disse-me com emoção contida: "Entre nosotros se ha echo presente el espíritu de Héctor Casimiro Yazalde..." "Achei prudente não comentar, desta vez para não ferir susceptibilidades: Kempes não suportava a concorrência, nem morta e, na verdade, a famigerada fórmula do bolo de requeijão já tinha dado a volta ao mundo encriptada nos mais diversos livros e não havia maneira de ser feito o cruzamento definitivo com o Estatuto da Carreira Docente Universitária. Mais grave ainda, intensificava-se a movimentação das forças afectas à Grande Ofensiva, liderada pelo Diácono Salvador Panaceia desde o seu reduto inexpugnável, sem que as garantias da parte da nossa rede fossem inequívocas. Acenei como sinal de respeito mas impunha-se que o meu périplo fosse cada vez mais célere. Deixou-me na mão, como quem oferece um talismã, um talão com a senha de acesso ao bar de strip em Ushuaia onde o duro agente encarnaria Maria do Carmo Miranda da Cunha, o rouxinol de Marco de Canavezes. De dentro da pickup saía uma gravação de Alô... Alô?, gravada com Mário Reis e o Grupo do Canhoto... Saí, esperando que, no final do seu frutado e emplumado show, alguém me desse, finalmente, a cópia remasterizada do clássico mudo Adiós Argentina, de Mario Parpagnolli, do longínquo 1930... Hasta la vista, amigos y "Don't cry for me..."

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