12.3.07

Cheguei a Quito ainda o sol não dava luz ao dia. A confusão do aeroporto com os vendedores de aves exóticas engripadas, os xailes de lã, os gorros coloridos. Subitamente vejo num poleiro uma toutinegra. Dirijo-me ao vendedor e repito: "S. Paulo na estrada para Damasco, a ETA no País Basco." O vendedor abriu a gaiola e a toutinegra voou, livre. Linda simbologia mas não tinhamos tempo para metáforas. "Depressa, vem comigo." Saímos e desaparecemos dali no pequeno furgão Dodge chei de penas e pássaros. "Põe estes adereços" Colei o bigode farto e pus umas tiras de fita-cola a esticar-me os olhos. "Agora vamos para a Loja do Chineses" "Também aqui?" "Sim, também aqui! São tantas que é a melhor maneira de ninguém desconfiar." Entrados na loja, acedemos a uma surpreendente cave. Nas paredes, colecções de Osgas emolduradas, uma camisola número sete do Deportivo Portalegrense e uma fotografia autografada dos gémeos Castro. Da boca de Dionísio Castro, saía um balão de fala, manuscrito: "Todos diferentes, todos iguais." O meu guia retirou a foto dos atletas da parede. Um nicho escavado na parede continha, para além do 'Manual de Sobrevivência do Agente Solitário', de Grão de Bico, um Código da Estrada já sujo e usado e um maço de folhas dactilografadas com letras da Tonicha encimado pelos êxitos "Tu és o Zé Que Fumas" e "Zumba na Caneca". Levantou as folhas e abriu a capa do "In Nomine Deo", do Saramago. "Aqui, coloca o Estatuto da Carreira Docente Universitária aqui dentro e retira a nova password." Guardei o talão e preparei o meu novo disfarce, a minha nova pele até Santiago. Ao fundo podia ouvir-se "O maestro da Charanga", cantado por Badaró. "É a minha sogra... não larga aquilo, já a levámos a todo o lado..." Não tinha tempo para sugestões terapêuticas para dependência de programas televisivos foleiros. Coloquei os óculos do Boloni no saco de recurso e vesti o meu fato de empreiteiro português a investir na América Latina: camisa Triple Marfel aberta, a mostrar os pêlos do peito, o já mencionado bigode, cordão de ouro a sair da camisa, barguilha semi-aberta. Lá fora esperava-me o adereço final: uma actriz venezuelana desempregada a fazer de prostituta. "Mas... é mesmo necessário?..." "Sim, eles não vêm cá só para investir, Toutinegra..." E tinha razão. Já no aeroporto, fui abordado por vários agentes imobiliários locais que me rodeavam puxando-me as roupas e dizendo "Constructor civil português, invista no meu empreendimento!!!" Espalhei uns pesos mexicanos pelo chão e eles precipitaram-se sobre eles. Pude ver, já ao longe, que se agrediam violentamente com os pesos, em especial o de quilo e meio mas um agente não sente remorsos, isso são fraquezas dos da colheita de 1969. Já no avião, pude ler a password: "Chouriço de Oriola, faquinha de ponta e mola." A actriz colocou a mão no meu colo e disse-me ao ouvido: "Faz parte do serviço." Deixou-me no colo, junto ao fecho entreaberto, uma pequena faca de ponta e mola. Faltava-me o chouriço de porco preto... Missões coordenadas pelo Arlindo Talhante...

1 comment:

Stella Nijinsky said...

Oi TF,
Você e o estatuto da carreira universitária!!
Ainda só li dois dos seus textos, outros tantos na diagonal. Mas começo pelo início.
Acho-lhe muita graça, imaginação muuiiitttooo fértil!
Stella