Passando por Beja, avistei, ao longe, um pouco à frente da primeira rotunda, uma patrulha que, aparentemente, seria da Brigada de Trânsito. Obedeci ao sinal para encostar e parei, abrindo o vidro. “Bom dia!” “Bons dias... Bela viatura... É sua?” “Não, é de um compadre meu.” “Compadre... Pois há aqui um compadre que quer falar consigo. Acompanhe-me até à nossa viatura.” Simulei a saída, fechei a porta e acelerei forte. O UMM nem esboçou um movimento e a suposta patrulha nem esboçou qualquer reacção. Avistei o Adelino pelo vidro traseiro e não era a hora para o ajuste de contas. Sempre os disfarces foleiros... desta vez o de dono de talho tirolês de caça grossa. Virei para Aljustrel. Sem qualquer imodéstia, o Adelino não tinha pedalada para mim. Continuaria a tentar apanhar-me, continuaria a escapar-lhe com facilidade até à hora do nosso pequeno e privado juízo final. Assunto encerrado! Continuei até Odemira e apenas parei em Maria Vinagre. No Rogil seria demasiado arriscado: um dos padeiros fora, em tempos, um famosíssimo agente búlgaro, Janós Kenyeres, e continuava perigosamente no activo, tendo sido inclusivamente um dos esteios do descalabro comercial da marca Old Spice. Um café e sessenta e tal litros de gasolina depois, já a estrada serpenteava em direcção a Aljezur e já se avistava o castelo com as suas duas torres e as casas a pintar de branco a encosta. Segui a estrada que atravessa a vila e tomei o cruzamento à direita, rumo ao mar. Vencidas as curvas e a subida, virei, novamente à direita, para a Praia do Monte Clérigo. A chegada à última curva que dá acesso à praia, é uma espécie de lugar mágico, de ponto de encontro entre o céu e a terra, o céu e o mar. Sem pressa, para já, decidi ficar por ali um pouco, a sentir a brisa. Senti que alguém se aproximava. Espreitei pelo retrovisor e reparei que se tratava de um indivíduo disfarçado de delegado de propaganda médica, ou de agente funerário; confesso que esses dois disfarces me baralham, até a mim... Abri o vidro e ouvi: "Coloca o DVD que o Chico te deixou." Acedi ao pedido. Lá dentro o convite para um jantar no restaurante 'O Zé', em plena praia do Monte Clérigo, e a indicação de onde poderia encontrar os cromos que me permitiriam resolver a situação das latas de sardinha. Tudo na zona, tudo muito à mão, tudo com um certo sabor a prémio, a descanso merecido. O DVD terminava com um clip de 'Nothing Else Matters', música do desagrado do Chico mas uma homenagem às minhas preferências musicais, pelo menos a parte delas. O homem, entretanto, retomara o caminho de volta a Aljezur no seu carro comercial, ou para enterrar alguém, ou para vender uma qualquer marca de medicamento que ainda não se sabe bem o que faz mas que sabe a morango.
Descrevi a curva, lentamente, e lentamente fui descendo em direcção ao parque de estacionamento central da praia. De frente, o restaurante 'O Zé', provavelmente ainda da propriedade do Sr. Zé 'Larico', ou na mão de seu genro, Demóstenes. Ficaria para mais tarde até porque não sabia quem seria a companhia para jantar. Fiquei apenas em calções de banho e dirigi-me para a areia. Mergulhei na água fria e saltei aquelas ondas enfurecidas mas que pareciam reconhecer o meu corpo. Senti-me criança outra vez, ali. Dentro em breve teria de voltar ao mundo dos crescidos. Previa complicações e, a breve prazo, a saída do ninho, Portugal Por agora não... apenas mais uma onda a derrubar-me cumplicemente.
14 comments:
Bem, tão próximos estes dois posts ...
E, desta vez, o agente secreto mistura, na sua aventura, o frémito da acção com a serenidade de uma pausa.
Muito bem! :-)
Não sei o que mais me apraz... Se o calafrio que o mergulho refrescante me relembrou, se o prazer de antecipar a identidade do conviva esperado.
São sempre uma delícia estas aventuras.
Aparece pelo Queixas & Queixinhas http://queixasequeixinhas.blogspot.com
Não tens prémio mas tens uns amigos para a vida!
Continuas em forma Toutinegra. sempre em movimento por mar ou terra tam ee quel 007!
CSd
" tendo sido inclusivamente um dos esteios do descalabro comercial da marca Old Spice"
Como é que uma frase tão simples me pode fazer rir tanto. Eu que nem sequer uso old spice...
Rais Partam Isto!
Abraço
Obrigada pela visita. Voltarei para ler tudo com calma. Fico à espera das aventuras na Turquia.
Ola!
Obrigado pelo o "comment". Eu nao escrevo Portugues bem. Eu nao compreendo o vote que vas me dar?
-Ana Rodrigues
Ok, Ana, já expliquei no teu blog que a expressão 'vou voltar aqui' quer dizer que como achei o teu trabalho de design gráfico muito interessante, vou passar, de vez em quando, no teu blog. Não há problema com o teu português.
Cumprimentos
Só falta a referência aos pastéis de nata milagrosos que curam qualquer enfermidade ou maleita mas que apenas aparecem, misteriosamente, às terças-feiras, no café "dos peixes".
Já me perguntei se fazias realmente estes caminhos. Os que descreves neste são belíssimos. É verdade.
Prémio merecido... mas acompanhia para jantar apareceu?
Abraço
Amigo Toutinegra,
Para quando mais um capítulo?
Abraço.
só hoje tive o prazer de descobrir estes espaço...que delicia!!!!
acho que há muito tempo não lia textos tão hilariantes...
PARABÉNS!
GRANDE TOUTINEGRA
Para quando um novo episódio? :-)
Feliz Natal com tudo de bom!
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