5.8.09

Seguimos pois o rasto de azeite. Veio até à minha memória, como brisa perto de estação de tratamento de águas residuais, a minha intriga familiar com as latas de conserva...
No cruzamento à entrada de Thabe Tseka, um homem com cachecol e gorro da 'Manilhas Plumbers' fez o sinal de boleia. "É o meu compadre Tomba Tukha. Converteu-se recentemente ao catolicismo. É uma história de amor imposível por uma lançadora de peso e ex-modelo da Suazilândia que se converteu e ingressou na Congregação de Santa Brígida... É ele quem nos vai dar as munições. Tens a foto." Tirei da segunda sub-algibeira interna a fotografia do Embaixador da Áustria em Madrid com uma enorme ratazana de quatro quilos, proveniente do Convento de Mafra na mão, qual troféu de caça. Em troca, um sorriso e uma caixa da importada Chibuku Beer com doze embalagens de Limpol, detergente concentrado para a louça. Chegados ao final da subida, uma casa apalaçada mostrava a imponente fachada. O cheiro a azeite era cada vez mais intenso. Estava na hora filtrar toda aquela gordura, colocando os cones de papel pardo nas narinas. Utilizei a minha 'keytuga', made in Azaruja, pelas mãos de Joaquim Franzina: o portão cedeu em dezassete segundos, menos cinco do que o tempo de activação dos Câmaras de vigilância. Ao fim de vinte e dois segundos à porta, dois dos 'apóstolos de Hermano da Câmara' assumiriam o posto de vigia, implacáveis. Entrámos e irrompemos aspergindo detergente sobre os pontos de fuga do azeite e deparámo-nos com a fortaleza vazia. No átrio-biblioteca jaziam, espalhadas pelo chão, 666 cópias contrafeitas, reles fotocópias, das Lettres d'amour d'une religieuse portugaise, de Mariana Alcoforado, publicadas em Colónia, em 1669. Avançámos pelo largo e untado corredor. A porta aberta desembocava numa divisão enorme. No seu interior 1332 exemplares de "Bruma Azul do Desejado", gravado por Frei Hermano da Câmara, em 73 com o Quarteto 1111, divididos em duas partes iguais e dispostos simetricamente em duas estantes nas paredes Nordeste e Sudoeste. Sabiamos ter penetrado o reduto do 'Salão Bicarbonato de Sódio': o Panaceia e a sua corja estavam perdidos. No chão uma carta do Motary Clube a convidar o crápula para um dos seus jantares, no qual seria apadrinhado e medalhado. Nada que não estivesse já previsto...
Saímos e embalámos pela estrada íngreme o nosso fogoso DKV. Mais à frente, em fuga, as tropas do Diácono, 37 descontentes ortodoxos dos "Apóstolos de Santa Maria", comunidade fundada pelo conçonetista-frade, também conhecidos por "Arautos da Misericórdia Divina". Faziam-se transportar num Seddon Mk6 do ano 1952, blindado e 'adaptado ao combate do demo', de acordo com a faixa colocada no vidro traseiro. O vetusto motor Perkins P6 tinha de arranjar forças para transportar dois tanques em pvc, contendo, cada um, 333 litros de água benta no tejadilho, estando ambos ligados a um aparelho de aerossóis sónicos capaz de pulverizar tudo e todos num exorcismo desesperado. A imagem daquela máquina gigante de micro-pulverização de água benta em suspensão no ar, a descer a colina ao som da voz de Hermano Vasco Villar Cabral da Câmara, com 37 bravos 'apóstolos-arautos arrependidos', de túnicas amarelas e toucas cor-de-rosa, empunhando os enchouriçados e doutrinários 'tubos da justiça' era arrepiante. Os 'tubos da justiça' consistiam nos '69 mandamentos alternativos do Místico Panaceias', impressos em formato A4 e enrolados. No seu interior, um chouriço de S. Manços, especificamente desenhado para caber no tubo, misto de código de conduta, bastão e ração de combate.
Orlando Manilhas, furioso, cortou caminho e, quando o velho autocarro chegou ao cruzamento, já nós o aguardávamos. Panaceias ligou os pulverizadores e todos entoavam epicamente, em simultâneo, trinta e sete composições diferentes do monge-fadista. Suportámos sem pestanejar. Subitamente, um dos apóstolos começou a cantar 'Cavalo Ruço' de Nuno da Câmara Pereira e o caos gerou-se num ápice. Os trinta e sete arautos da misericórdia fraquejavam e soçobravam um após o outro, deixando os justiceiros tubos de papel com chouriço entregues ao pó da terra. O Diácono tentava animar as hostes aumentando o débito de água benta e gritando 'Todos a uma só voz!! Não vos desgraceis!! Conservai os Tubos da Justiça, não sois nada sem Eles!!!'. Foi uma questão de tempo para que a capitulação se consumasse ali, perante o nosso olhar paciente e a nossa postura de aço.
Repatriado Panaceias para a sede da agência e desmantelada a sua organização, estávamos agora em condições de proceder ao confronto dos documentos encriptados. Estava mais longe o fim do nosso mundo como o conhecemos. "Mal por mal, estamos melhor como estamos" desabafava, exausto, o Orlando. Talvez... Veremos!

1 comment:

Joaninha said...

O mítico Cavalo Ruço que muita presença marca nas noites de Karaoke! Boa escolha... :)